sábado, março 29

Mab



— Tive um sonho esta noite.
- Oh! eu também.
— Sobre quê?
— Sonho algum verdade tem.
— Quando dormimos, tudo neles cabe
— Oh! Visitou-vos a Rainha Mab.
— Quem é a Rainha Mab?

— É a parteira das fadas,
que o tamanho não chega a ter
de uma preciosa pedra
no dedo indicador de alta pessoa.
Viaja sempre puxada por parelha da pequeninos átomos,
que pousam de través no nariz dos que dormitam.

As longas pernas das aranhas
servem-lhe de raios para as rodas;
é a capota de asa de gafanhotos;
os tirantes, das teias mais subtis;
o colarzinho, de húmidos raios do luar prateado.

O cabo do chicote é um pé de grilo;
o próprio açoite, simples filamento.
De cocheiro lhe serve um mosquitinho de casaco cinzento,
que não chega nem à metade
do pequeno bicho que nos dedos
costuma arredondar-se das criadas preguiçosas.
O carrinho de casca de avelã vazia,
feito foi pelo esquilo ou pelo mestre verme,
que desde tempo imemorial o posto mantém
de fabricante de carruagens para todas as fadas.

Assim posta, noite após noite
ela galopa pelo cérebro dos amantes
que, então, sonham com coisas amorosas;
pelos joelhos dos cortesãos,
que com salamaleques a sonhar passam logo;
pelos dedos dos advogados,
que a sonhar começam com honorários;
pelos belos lábios das jovens,
que com beijos logo sonham,
lábios que Mab, às vezes, irritada,
deixa cheios de pústulas,
por vê-los com o hálito estragado por confeitos.

Por cima do nariz de um palaciano
por vezes ela corre, farejando logo ele,
em sonhos, um processo gordo.
Com o rabinho enrolado
de um pequeno leitão de dízimo,
ela faz coceiras no nariz do vigário adormecido,
que logo sonha com mais um presente.
Na nuca de um soldado ela galopa,
sonhando este com cortes de pescoço,
ciladas, brechas, lâminas de Espanha
e copázios bebidos à saúde, de cinco braças de alto.
De repente, porém, estoura pelo ouvido dele,
que estremece e desperta e, aterrorizado,
reza uma ou duas vezes e, de novo, põe-se a dormir.

É a mesma Rainha Mab
que a crina dos cavalos enredada deixa de noite
e a cabeleira grácil dos elfos muda em sórdida melena
que, destrançada, augura maus eventos.
Essa é a bruxa que, estando as raparigas de costas,
faz pressão no peito delas,
ensinando-as, assim, como mulheres,
a aguentar todo o peso dos maridos.
É ela, ainda...
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Romeu e Julieta Acto I cena 4